Enfrentamento da Pandemia à Chinesa

Há muitas dúvidas em relação aos reais números da pandemia do coronavírus na China com possíveis subnotificações, mas os documentários que se seguem mostram como as medidas restritivas e de controle em um país com governo central forte parecem ter funcionado de maneira muita mais eficaz do que aquelas tomadas em Estados com democracias plenas, onde a liberdade do cidadão não permite que o submetam a restrições rigorosas. O jornalista francês Sébastien Le Belzic, nascido em 1971, que vive na China desde 2007, casado com uma chinesa e morador de Pequim, nos apresenta, em “China: Diário de uma Quarentena”, o regime de cerceamento por que sua família passou durante o período de confinamento na capital do país desde meados de janeiro.

“China: Diário de uma Quarentena”, de Sébastien Le Belzic

Repassando a cronologia, sabemos que, no dia 31 de dezembro, a China comunicou à Organização Mundial da Saúde sobre o surgimento da doença causada pelo coronavírus identificada semanas antes pelo doutor Li Wenliang, que foi de início desacreditado pelas autoridades chineses – Wenliang viria a contrair o vírus e morreria da doença em fevereiro, aos 33 anos. No mês de janeiro, surgiu o primeiro caso de morte como consequência do coronavírus, ocorrido em Wuhan no dia 7.  A ele se seguiram a identificação de ocorrências do vírus na Tailândia (dia 13), Japão (dia 16), Coréia do Sul (dia 20) e Estados Unidos (dia 21).

O confinamento no epicentro da crise em Wuhan, na província de Hubei, começou no dia 23 de janeiro, quando foram também cancelados vôos e serviços de trem, ônibus e barco. Agora sabemos que por essa época o vírus já dera ensejo a deflagração de uma pandemia que havia se espalhado pelo mundo. O vírus intensificou logo em seguida a contaminação ao redor do globo.

O que impressiona nos documentários é a maneira como a sociedade chinesa está à frente, comparativamente com outros países, no domínio e uso das novas tecnologias para fazer o controle e enfrentamento dos desafios de uma pandemia que se alastra com rapidez impressionante, algo que o mundo só tinha experimentado na história recente com a Gripe Espanhola de 1918. George Orwell entraria em desespero e teria chiliques com a fiscalização exercida por forças de segurança chinesas que, de forma policialesca, cuidam da vigilância através de códigos e documentos que identificam, fazem o monitoramento e acompanham cada cidadão. Mas há talvez um lado positivo nos sensores de temperatura disseminados que tem o papel fundamental de assinalar eventuais pessoas com sinais do vírus e nos apps em rede que compartilham e apontam os acometidos pela doença e o grau em que ela se encontra na vizinhança.

A construção daquele hospital gigante em três dias em Wuhan, deixou o mundo sem entender o que estava acontecendo. Hoje ficou claro que era fundamental e que todos os países deveriam ter seguido o exemplo. Impressionou no começo da pandemia da mesma forma, a preocupação com os médicos e enfermeiros, que surgiram com vestimentas sofisticadas, invólucros que os protegiam por completo. Vendo os profissionais de saúde europeus, a diferença se mostraria gritante ainda que possamos admitir que as imagens da China não mostrem a realidade nas emergências dos hospitais.

As coletivas da Força Tarefa dos Estados Unidos tem me passado a impressão de dois profissionais, os doutores Fauci e Birx, que lideram a equipe, assustados com a situação que estão encarando e com as perspectivas do que virá em poucas semanas. As coletivas brasileiras trazem dados muito pouco confiáveis e se perdem em considerações desnecessárias para o entendimento real e um ataque de maneira prática ao problema.

Nos Estados Unidos, o engajamento de prefeitos e governadores na tomada de decisões e apresentação de considerações pertinentes ao andamento do que está sendo feito contrastam com o alheamento das autoridades brasileiras, mesmo aquelas que pareciam engajadas no começo. Tudo deu a impressão de ser mais jogo de cena político do que interesse real pela gravidade da situação. O quadro que se desenha será difícil nos Estados Unidos e talvez catastrófico no Brasil. Resta torcer para que a aclimatação do vírus em zonas tropicais se mostre desfavorável à sua disseminação ou que ele perca força de alguma maneira. Hoje já passamos de 1 milhão de casos e mais de 50 mil mortos no mundo.

Wuhan por dois cinegrafistas amadores durante a pandemia, em produção da BBC

Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
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