A Chapa Trump-Crivella

Não pretendia publicar esta postagem, mas, depois do longo artigo de Ian McEwan na Folha do fim de semana passado, resolvi juntar minha voz ao coro dos descontentes. É um começo para se falar sobre quem ganha e quem perde na jogatina econômica do mundo contemporâneo. Política e dinheiro sempre foram parceiros inseparáveis e capazes de grandes estragos como sabemos.

Ele diz ter bilhões e bilhões de dólares. Na verdade, são menos do que 4 bilhões (3 bilhões e 700 milhões de dólares, para ser preciso; mera avaliação já que ele não tem o hábito e nem o gosto de tornar pública sua declaração de rendimentos, mesmo quando o cargo de presidente, por força da tradição, costuma exigi-lo), aos 70 anos. Comparativamente, Steve Jobs deixou uma fortuna de 75 bilhões ao morrer aos 56 anos e seu companheiro de geração Bill Gates soma um patrimônio de mais de 80 bilhões de dólares. Um detalhe importante é que nenhum dos dois símbolos máximos do empreendedorismo globalizado registra, em suas respectivas biografias, a sonegação declarada de impostos, embora Gates tenha enfrentado ação por monopólio na sua “home of the brave, land of the free”. Outro senão: ele realizou a proeza de falir por seis vezes. Definitivamente, o falastrão é um fenômeno no mundo dos negócios. Pelo menos, não tem foro especial e vai passar seu mandato sendo questionado sobre os muitos tropeços de sua trajetória como empresário.

Conseguiu colocar toda a imprensa contra a sua candidatura. Tivemos algo semelhante durante a campanha à prefeitura do Rio de Janeiro. O Ricardo Noblat dramatizou um pouco em sua avaliação. Há uma crise comercial no setor, o que é natural quando ocorrem inovações no campo tecnológico-midiático, mas a imprensa sempre lucra em qualidade com vozes menores se manifestando. O New York Times, é bom dizer, tem, ao contrário de O Globo, a tradição de se posicionar claramente sobre quem está apoiando em uma eleição. E o erro de avaliação com números próximos é típico de pesquisas de opinião que, não custa lembrar, não são 100% precisas. É ainda, de qualquer jeito, papel da imprensa procurar problemas nas candidaturas, como fez O Globo com Crivella, e a imprensa americana primeiro com Trump e, depois, com Hillary.

No final das contas, acabamos tendo a eleição de duas forças ultraconservadoras, obscurantistas e fonte de atraso mundo afora. Caetano Veloso disse que, como Mangabeira Unger, simpatiza com os pentecostais e antipatiza com o yuppie João Doria. Nada contra os neopentecostais, à exceção do fato de que vivam livres de impostos e de que estão construindo um império às custas deste expediente. As práticas religiosas neopentencostais são uma nova forma de ritualização. Aos que se identificam com isso, bom proveito. Se doam seus dízimos, não tenho nada a ver com isso. Agora, templos que funcionam como qualquer outro negócio não podem ser construídos e operarem livres de tributos.

João Doria, diferentemente de Trump e Crivella, é uma pessoa sensata, educada, que sabe se comportar em público. Também não foi flagrado até o momento em associação com nomes envolvidos com favorecimento de interesses evidentes na administração pública do município. Apenas um detalhe: se confirmada a delação da Odebrecht, veremos o que o novo prefeito de São Paulo vai declarar sobre a isenção de seus companheiros de legenda. Fico aguardando também a grande coluna de FHC sobre o assunto. Aliás, ele poderia esclarecer as razões que levaram a Odebrecht a doar somas vultosas para o Instituto FHC. Pode não ser ilegal, mas será que é um expediente aceitável?

Mal começa a se preparar para tomar posse, Trump já enfrenta manifestações de rua, coisa que nunca vi na vida política norte-americana. Enfrenta também os ataques da imprensa sobre sua decisão de trazer para a Casa Branca familiares para trabalharem como seus assessores, além de ter escolhido a fina flor do conservadorismo para ajudar a desorientar suas decisões. Há ainda a mistura dos interesses de sua carreira como empresário com a sua posição como presidente. Antes mesmo de iniciar o mandato, imprensa e oposição já estão no seu pé. Fazem muito bem.

Ps. Como comentaram por aqui. Parece que Bowie e Cohen escolheram a hora certa de cair fora.

Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
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