Poesia nos Trópicos

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A experiência aconteceu em um palacete, com seu pátio interno convertido em anfiteatro, localizado em um ambiente muito apropriadamente rodeado por densa vegetação de floresta tropical. Lá, dentro de uma construção em estilo eclético com inspiração romana, a ilha de Próspero pôde mais uma vez ser imaginada. Assim como no Globe shakespeariano, o público ficou sob céu aberto observando uma ação que se estenderia por todos os muitos espaços do palacete. Inclusive por seu terraço e sua imponente torre erguida em arcos.

No centro de sua área interna, uma piscina substituiu o mar e um vento artificial com raios e trovões em precários porém eficientes efeitos especiais pegaria o público de surpresa levando todos a perceber que a feitiçaria de Próspero já estava em andamento. Em pé, de dentro da torre, o deposto duque de Milão comandava o espetáculo. Recorria a seus poderes de bruxo para criar situações em que submetia a seus caprichos, alimentados por desejos de vingança, os que conspiraram contra ele.

Antes da apresentação daquela noite, um dos atores do grupo teatral vendia o programa do espetáculo e não perdia a oportunidade de aconselhar o público a adquiri-lo sob pena de não conseguir entender a história. Era uma técnica de venda bem-humorada, mas o interessante foi ver aquele mesmo ator, mais tarde no correr da peça, jogando xadrez com Miranda dentro da piscina.

A iniciação à escrita de Shakespeare se deu através da tradução feita por Geraldo Carneiro e encenada pelo grupo teatral Pessoal do Despertar no começo dos anos 1980 no Parque Lage. Seria a tradução inaugural da obra do Bardo perpetrada pelo poeta mineiro que vinha arriscando versos autorais em suas colaborações com o grupo A Barca do Sol e com Egberto Gismonti. Fã de primeira hora, seguiria adiante apreciando sua poesia em todas as formas, incluindo a impressa. Desde o livrinho “Verão Vagabundo” (Achiamé, 1980), típico da geração mimeógrafo, até a “Balada do Impostor” (Garamond, 2006). É mais um desses poetas com os quais não tenho maiores dificuldades. Até mesmo com a formalidade da dicção de um momento ou outro de sua escrita em verso.

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Há pouco, Geraldo Carneiro teve que entrar para a Academia Brasileira de Letras. Parece que é o destino dos escritores em um país que dá pouca atenção aqueles que vivem de escrever livros. Ferreira Gullar resistiu enquanto foi possível, até se render definitivamente. Com essa situação de terra devastada, que talvez nem um T.S. Eliot pudesse vislumbrar em seus piores momentos de amargura em um sorumbático mês de abril, os passageiros do Titanic vão procurando refúgio aonde encontram.

Na ABL, Geraldo Carneiro vai ter contato com autores que, segundo disse, costuma tirar de sua estante para consulta. Não custa lembrá-lo que terá também a companhia nada simpática de um político como José Sarney, autor de “Marimbondos de Fogo”, coleção de poemas que, segundo Millôr, “quando você larga, não consegue mais pegar”. Pelo visto, o “Intimidade Anônima”, de Michel Temer, veio para lhe fazer companhia entre as obras pouco inspiradas deixadas por nossos vice presidentes – que se louve ao menos os presidentes que entre uma vilania, uma torpeza, um ultraje e outro, se esforcem em arriscar versos.

Além do conforto monetário, resta para Geraldo Carneiro a lembrança de estar na casa de Machado de Assis. Ainda que dele, o poeta já tenha dito que foi o “primeiro Michael Jackson da história”. A declaração trocista é do tempo em que ele nem sonhava em entrar para a ABL obviamente. Geraldo apontou Machado como precursor da graça dos que nascem pretos para morrerem brancos. Alguns esclarecimentos finais: Próspero foi interpretado pelo já falecido ator Ariel Coelho de voz magnífica e tonitruante. O casal Ferdinando e Miranda, por Miguel Falabella e Maria Padilha.

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Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
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3 respostas para Poesia nos Trópicos

  1. analucia disse:

    Eu assisti A TEMPESDADE no pafrque Laje, com Marilia Padilha. Acho q na época ela estava com Geraldinho.

    Foi deste evento que vc falou no inicio do texto?

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  2. Margarida disse:

    Eu também vi essa peça lá, acho que ficou na memória de uma geração.

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