Despedidas de Dezembro

Não sei se o leitor tem a mesma percepção que este que vos digita, mas, no meu imaginário lúgubre, ainda que agosto leve a fama de mês do desgosto (muito provavelmente por conta da rima fácil), cabe ao mês de dezembro a reputação desonrosa de período agourento por excelência. Na minha fantasia mórbida, ele vem sempre acompanhado por notícias terríveis, medonhas, atrozes. Talvez isso se deva ao fato de ser um mês em que estamos mais disponíveis, na expectativa pelas festas natalinas e pelo réveillon e qualquer acontecimento que escape a esse anseio acabe por sobressair. Nos preparamos para celebrar o fim de ano torcendo para que tudo resulte em comemoração com a chegada de um novo e alentoso tempo.

Esse mês de dezembro de 2022 trouxe pelo menos três notícias fatídicas, as do passamento de Terry Hall, de Nélida Piñon e de Pelé. A de Hall foi comentada por mim em dois posts anteriores em que procurei festejar o grande legado de um cantor e compositor que teve sua genial trajetória interrompida brutalmente. A partida do Atleta do Século XX e maior craque de futebol da história ganhou a cobertura esperada e ampla na imprensa para alguém tão querido dentro e fora do campo e seria portanto repisar o óbvio acrescentar qualquer coisa. Além de um encontro com Chico Buarque no campo do Politeama (time de futebol do compositor no Rio de Janeiro), que frequentou a timeline de muita gente, e que trato de repostar abaixo, vou me referir a um texto que fiz sobre a Copa do Mundo de 2018, em que comentei demoradamente a importância de Pelé para um jovem torcedor que descobria o futebol pela TV e em idas ao Maracanã no final dos anos 1960.

Gostaria assim de falar de Nélida Piñon, pois, ainda que não seja um profundo conhecedor de sua obra, tive um encontro pontual com a autora que me marcou pela simpatia e intensidade de uma pessoa vivaz e agradável ao extremo. Estagiava na TV Educativa no começo dos anos 1980, quando saímos, como era corriqueiro todas as terças-feiras, para a gravação de mais um depoimento para o programa “Um Nome na História”, com o apresentador Roberto D´Ávila. Para alguém que caiu de para-quedas para participar como aprendiz de um dos programas da grade da emissora, foi uma sorte poder ter visitado e conhecido na intimidade de suas casas nomes consagrados como os de Antônio Houaiss, Carlos Heitor Cony, João Cabral de Mello Neto e Nélida Piñon, entre muitos outros. Ela nos recebeu em seu apartamentou na Barra da Tijuca, discorreu sobre sua obra e especialmente sobre o percurso de uma descendente de imigrantes galegos. Não deixou de dar um depoimento politicamente firme naquele começo de experiência de abertura democrática depois dos anos de chumbo do período ditatorial.

Achei inusitado, em sua despedida, que Nélida tenha deixado os seus apartamentos para servirem de espaço para as suas duas cachorras de estimação enquanto elas estiverem vivas. Me lembrou o Quincas Borba, de Machado, autor por quem Nélida tinha, como os bons escritores de nossa literatura, especial apreço. Não tenho dúvida de que ela estaria contente da vida celebrando neste fim de semana a inauguração de um novo momento em nosso cenário político, depois de quatro tristes anos de atraso sob o comando de uma administração que tanta dor trouxe aos brasileiros. Aproveito para desejar um ótimo ano de 2023 para os leitores.

Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
Esse post foi publicado em Copa do Mundo, Nélida Piñon, Pelé, Terry Hall. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário