Tributo a Terry Hall – Parte I

Terça-feira passada amanheci em Búzios com a manchete do The Guardian que informava sobre a partida prematura de Terry Hall. A notícia mencionava uma “breve doença” que, depois, viemos a saber, era um câncer no pâncreas descoberto recentemente. Foi o baixista dos Specials Horace Panter quem informou os detalhes. Eles se preparavam junto com o vocalista e guitarrista Lynval Golding para a gravação de mais um trabalho dos Specials como sequência a “Encore” (2019) e “Protest Songs (1924-2012)” (2021). Desta vez contariam com a volta do vocalista da primeira formação do grupo, Neville Staples, que havia se reunido brevemente com o grupo para a celebração dos 30 anos de carreira dos Specials em 2009 e depois saíra nas excursões e shows subsequentes (cheguei a vê-los em agosto de 2015 no Kew Gardens em Londres já sem Staples, embora ainda com o baterista da formação original John Bradbury que viria a falecer em dezembro daquele ano). 

Antes de um jogo de futebol na quarta-feira passada, entre o Coventry City e o West Bromwich Albion, uma das muitas homenagens que se espalharam por Coventry, cidade natal de Terry Hall

Terry Hall foi um grande crooner, daqueles que conseguem a proeza de envelhecer cantando cada vez melhor. Compunha também com surpreendente desenvoltura. Criou, com os mais diferentes e inesperados parceiros, músicas antológicas. Era um craque também em recuperar canções esquecidas e atualizá-la em interpretações memoráveis. Segue a recaptulação de sua trajetória, com alguns dos números de seu repertório autoral e das versões que fez ao longo de sua muito produtiva carreira.

= SPECIALS = 1a. Formação (1979-80)

Amigos que conhecem e têm entre suas preferências musicais um gosto mais enraizado na cultura jamaicana, como Edinho Cerqueira, Carlos Albuquerque (Calbuque) e Maurício Valladares (MalVal), podem discorrer com pleno saber sobre os Specials. Apesar de adorar o mais importante grupo de ska de Coventry, descobri, passeando pela Internet, que meus conhecimentos sobre a banda que consagrou o nome de Terry Hall é limitado. A presença de seu vocal característico era importante, não há dúvida, tanto assim que a chamada do texto de Zeca Camargo na Folha de São Paulo comentando a morte do cantor semana passada, o apresentava como líder dos Specials, ainda que a figura mais fundamental no grupo tenha sido sem dúvida alguma a pessoa do tecladista Jerry Dammers.

Ao lado do Madness e do The Beat (ou English Beat nos Estados Unidos), o Specials formou a mais festejada tríade de ska de matriz inglesa. Entre o final dos anos 1970 e começo dos 80, eram venerados dentro da cena indie britânica, embora rapidamente ganhassem também com enorme êxito a parada de sucessos oficial da BBC, cuja aferição era feita, em tempos de cultura pré-digital, levando-se em conta o movimento de compra de discos por parte do público nas lojas. Certa feita, no começo dos anos 1980, estava no underground londrino com uma camiseta estampada com uma propaganda do filme “Dance Craze” (um dos silk screens confeccionados por Maurício Valladares com suas fotos e imagens de bandas favoritas – The Jam, Brian Setzer, Paralamas do Sucesso), quando fui surpreendido por uma fã que do nada agarrava a camiseta para afirmar sua adoração pelas bandas do selo 2-Tone. Acho que naquela época, até em Londres, ainda era um acontecimento pouco usual trajar uma camiseta com bandas de ska.

A música mais famosa do disco de estreia dos Specials foi “Gangsters” (recriação de um ska de Prince Buster, de 1964)

Uma outra versão, sempre com versos adicionais como era de costume no caso dos Specials, feita para “Enjoy Yourself”, clássico de Herb Magidson e Carl Sigman

O sucesso mais conhecido do grupo acabou, no entanto, sendo “Ghost Town”

= FUN BOY THREE = (1982-83)

Terry Hall deixaria o ska para trás e, com dois de seus companheiros do Specials, o vocalista Neville Staple e o guitarrista Lynval Golding, partiria para formar o Fun Boy Three. Com o FB3, eles embarcariam em uma vibe new wave nada ortodoxa em dois excelentes discos. Lançados em 1982 e 83, o primeiro levaria o próprio nome da banda e contaria com a participação de um outro trio, este só de mulheres, o Bananarama, formado por Siobhan Fahey (futura esposa de Dave Stewart dos Eurythmics e depois integrante do duo Shakespeare Sisters), Keren Woodward e Sara Dallin. O segundo e último disco dos FB3, com produção de David Byrne, se intitularia “Waiting”. Traria “Our Lips are Sealed”, faixa de enorme sucesso, parceria de Terry Hall com sua namorada na ocasião, a guitarrista da banda americana The Go-Go´s Jane Wiedlin.

A versão solar das Go-Go´s para o hit “Our Lips are Sealed”

Play it again, Sam”, em mais um clip divertido dos FB3 com uma faixa muito querida (“It must be wondeful to live like you do…”) e participação do Madness e das Bananaramas

FB3 interpreta “This is the End”, dos Doors, que faria ponte com as composições que Hall assinaria em seu futuro grupo, o Colourfield

= COLOURFIELD = (1985-87)

Chamava a atenção a maneira desprendida com que Terry Hall se atirava a novos projetos sem conexão nenhuma com os anteriores. E assim foi com o Colourfield que formou com a dupla Toby Lyons and Karl Shale. No programa Ronca Ronca da última quinta-feira, Maurício Valladares tocou alguns discos de 12 polegadas do grupo. Eram os singles ingleses, os nossos compactos que vinham em uma bolachona de vinil como um LP comum, mas com uma única música de cada lado para que a gravação fosse reproduzida com melhor qualidade sonora. No endereço da 7 Lemington Road Villas, recebi muitos desses discos de 12 polegadas enviados pelas gravadoras, quando morei por lá nos anos 1980 e de onde enviava textos de música. Meus irmãos que também estiveram por lá, fizeram a façanha de queimar 4 mil dólares em discos desses na Virgin Megastore e na HMV da Oxford Street, muitos deles terminariam nos toca-discos da Fluminense FM alimentando o Rock Live, programa do MalVal da época. Depois com a chegada da tecnologia digital seriam todos passados por preço irrisório ao pessoal das barraquinhas de vinil da Pedro Lessa, na travessa de pedestres ao lado da Biblioteca Nacional. Foram dois discos apenas do Colourfield, ambos excelentes, “Virgins and Philistines” (1985) e “Deception” (1987).

“Take” do “Virgins and Philistines”, primeiro disco do grupo, com participação do baterista Pete de Freitas

“Sorry”, a composição que deu nome a banda com arranjo à la Echo and the Bunnymen e “Pushing up the Daisies”

“Deception”, segundo e último disco do Colourfield com paricipação de Sinéad O´Connor na faixa “Monkey in Winter”

 

Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
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