Lindbergh Farias e o Congresso Nacional

O rito de impediamento de Dilma Lana Rousseff acabou servindo para voltarmos os olhos e observarmos mais detidamente o que está acontecendo em Brasília. Acompanhar o desempenho em suas funções de nossos deputados e senadores é algo para deixar qualquer um assustado. Quanto disparate, quanto desleixo, quanta falta de seriedade no trato dos interesses do país. Parece escárnio com a população saber que representantes tão desqualificados gozem de mordomias e de regalias nunca vistas entre a classe política em nenhum outro canto do planeta, num assalto institucionalizado ao erário. Tudo isso sem uma contrapartida mínima.

A verdade é que a cada nova eleição comparecemos para votar e depois esquecemos por completo o grave cenário que envolve a atuação política daqueles que elegemos. Além da falta de preparo e dos descalabros criados por casas que legislam em causa própria, nos damos conta de coisas alarmantes. É vergonho, por exemplo, encontrarmos na câmara dos deputados o senhor Paulo Salim Maluf, integrante da bancada do Partido Progressista (um partido que bate o PT no quesito corrupção com 32 dos seus 46 deputados federais pendurados por processos) e no senado, Renan Calheiros e Fernando Collor de Mello (envolvidos em esquemas de corrupção no passado e agora na Lava-Jato). Imagino que isso queira dizer que daqui a uns 10, 15 anos, corremos o risco de assistir ao senhor Eduardo Cunha como senador, depois de legalizar o dinheiro arrecadado com propina e corrupção.

Em meio a muita decepção, impressionou muito especialmente por seu trabalho a pessoa de Lindbergh Farias, senador pelo Rio de Janeiro, opção de voto nas eleições do pleito de 2010. A despeito de suas posições políticas, em relação às quais podemos ter divergências e restrições, sua seriedade nas discussões o diferenciaram da maioria dos despreparados e negligentes senadores incluídos na comissão que debatia a aceitação do processo de impedimento.

Parece que apenas a equipe formada pelos advogados de acusação e por pessoas sérias como o procurador do ministério público junto ao Tribunal de Contas da União Júlio Marcelo de Oliveira, particularmente, tinham um conhecimento tão consequente de todo o processo como Lindbergh. Seus questionamentos foram extremamente pertinentes e mostraram mesmo a inépcia e falta de procedência de uma ação que é no final das contas uma peça claramente política com o objetivo de desestabilizar um governo fragilizado por seus descaminhos administrativos. O próprio Fernando Henrique Cardoso, uma das mais dedicadas e fortes vozes pela causa do impeachment, endossou em entrevista no programa de Jô Soares na terça-feira esta obviedade (clique aqui).

Durante a sessão plenária do senado, que deu sequência ao pedido de investigação sobre a administração de Dilma Rousseff, Lindbergh fez também um dos discursos mais bem preparados. Procedeu a um histórico mostrando como tem atuado a nossa classe política sempre afeita a jogadas oportunistas e traçou o quadro da economia contemporânea em que se insere a aposta do governo Dilma. Podemos discordar da posição de Lindbergh, mas não será possível desqualificá-la. Ao apresentá-la, Lindbergh exibiu ainda a articulação e o entusiasmo dos líderes. Ainda que bem redigido e com argumentos bem mais convincentes, o discurso de Cristovam Buarque, por exemplo, não teve a mesma vivacidade e vigor.

Lindbergh avaliou retrospectivamente os equívocos do Partido dos Trabalhadores e ponderou que o PT, no correr da primeira administração de Lula, acabou errando ao não votar coisas importantes como a essencial reforma política e a restrição ao financiamento de campanhas por empresas, duas medidas urgentíssimas como constatamos agora. Teriam de fato sido duas atitudes que evitariam a crise a que chegamos e talvez melhorassem a composição de nosso congresso. Daqui pra frente, esperamos que Lindbergh entre no grupo de desembarque do PT que deixará o partido em outubro deste ano. O congresso precisa de pessoas preparadas. Posições tomadas de forma menos parcimoniosa também ajudariam a termos um político mais consequente. Precisamos disso.

Filho de pai médico e mãe professora universitária, Lindbergh é casado há mais de duas décadas com a advogada Maria Antônia Goulart e tem três filhos, um rapaz e duas meninas, a do meio portadora de síndrome de down. Em função disso esteve envolvido na elaboração de leis para um Estatuto da Pessoa com Deficiência. Contra o articulado senador, que nunca concluiu o curso universitário, embora tenha cursado medicina na Universidade Federal da Paraíba e posteriormente direito, temos uma coleção de processos por sua administração nas duas oportunidades em que foi prefeito de Nova Iguaçu. Alguns talvez até procedam, mas posso imaginar as dificuldades de comandar a máquina administrativa de uma prefeitura. Fui síndico do condomínio em que moro durante um ano, sem remuneração alguma, e em alguns momentos tomava decisões para resolver problemas pontuais contratando serviços que poderiam ser questionados caso houvesse alguém interessado em desacreditar meu trabalho.

Os processos em Nova Iguaçu parecem entrar na lista deste tipo de expediente. Muitas destas ações foram julgadas improcedentes pelo STF, o que mostra que a Suprema Corte talvez seja mesmo uma mãe para os políticos. A única acusação séria pendente contra o senador e ex-cara-pintada é quanto ao seu envolvimento na Lava-Jato. Lindbergh teria pedido a Paulo Roberto Costa, diretor da Petrobras, ajuda para sua campanha política. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, por ocasião da denúncia que não tem relação com pagamento de propina, Lindbergh confirmou os encontros com o diretor da estatal, mas justificou que recorreu a ele por indicação, como pessoa capaz de auxiliá-lo em sua candidatura. Se tudo ocorreu dentro da lei, o futuro dirá.

Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
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6 respostas para Lindbergh Farias e o Congresso Nacional

  1. analucia disse:

    Ai! Kiko! Desta vez não consigo te acompanhar!!!

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  2. Qual foi o senador que te agradou, Ana? Minha mãe gostou do discurso do Collor.

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  3. Margarida disse:

    Ele é senador, podia ter articulado a tão importante reforma política mas preferiu, muito mais fácil, fazer um post mortem do que deveria ser feito. De qualquer maneira tenho certeza que a lava jato provará que ele também faz parte de grupo. Ser um dos mais próximos de Lula também diz muito sobre ele.

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  4. Oscar Guilherme Lopes disse:

    Artigo muito lúcido.

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