Podem Me Chamar de Arthur Gordon Pym

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Uma tradução para a Nota Introdutória preparada para a edição de A Narrativa de Arthur Gordon Pym de Nantucket, único romance publicado por Edgar Allan Poe. A primeira impressão do livro,  pela editora nova-iorquina Haper and Brothers em julho de 1838, saiu sob o pseudônimo de Arthur Gordon Pym. Posteriormente a obra entraria para o cânone do autor    

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Southern Literary Messenger (clique aqui)

A Narrativa de A. Gordon Pym de Nantucket
Nota Introdutória

Por ocasião do meu retorno aos Estados Unidos há alguns meses, depois de uma extraordinária série de aventuras nos mares do Sul e em outros lugares, da qual um relato é dado nas páginas que se seguem, o acaso me trouxe à companhia de vários senhores em Richmond, Virgínia, que sentiram profundo interesse por todos os detalhes relacionados às regiões que eu havia visitado, senhores estes que estavam constantemente exigindo de mim, como um compromisso, dar a público minha narrativa. Eu tinha vários motivos, no entanto, para recusar-me a fazê-lo, alguns dos quais eram de caráter inteiramente pessoal, e não diziam respeito a pessoa alguma além de a mim mesmo; outros nem tanto assim. Uma reserva que havia me dissuadido de fazê-lo era que, não tendo mantido um diário durante a maior parte do tempo em que estive ausente, eu temia não ser capaz de escrever, de cabeça apenas, um relato tão minucioso e coerente a ponto de se assemelhar a uma verdade que fizesse jus a este nome, excluído o exagero natural e inevitável ao qual todos nós nos mostramos propensos ao relatar acontecimentos que tiveram influência poderosa ao instigarem nossas faculdades imaginativas. Outra razão foi que os incidentes a serem narrados eram de natureza tão categoricamente fantástica, que, à falta de comprovação a qual minhas narrações são necessariamente devedoras (exceto pelo testemunho de um único indivíduo, e este um índio mestiço), eu só poderia esperar a crença entre a minha família e entre aqueles amigos que encontraram motivo, ao longo da vida, em colocar fé em minha sinceridade – com a probabilidade de que o público em geral fosse entender o que eu trouxesse ao seu conhecimento como uma mera ficção insolente e engenhosa. A desconfiança de minhas próprias habilidades como escritor era, todavia, uma das principais causas a me impedir de agir em conformidade com a sugestão dos que me aconselhavam.
Entre esses senhores em Virgínia que expressaram o maior interesse em meu relato, mais particularmente no que diz respeito a parte dele que se refere ao Oceano Antártico, estava o senhor Poe, editor há pouco tempo da Southern Literary Messenger, uma revista mensal, publicada pelo senhor Thomas W. Branco, na cidade de Richmond. Ele, entre outros, aconselhou-me enfaticamente a preparar imediatamente um relato completo do que eu tinha visto e de tudo pelo que havia passado, e confiava na perspicácia e no bom senso do público ao insistir, com grande plausibilidade, que, por mais cru que fosse meu livro, no que diz respeito apenas à autoria, a sua falta de elegância, caso houvesse alguma, concorreria em favor de uma melhor chance de ele ser recebido como fidedigno.
Apesar de tal argumentação, decidi-me a não agir em acordo com sua sugestão. Ele posteriormente propôs (achando que não iria mais tocar no assunto) que eu o deixasse elaborar, com suas próprias palavras, uma narrativa da primeira parte das minhas aventuras, a partir de fatos produzidos por mim, publicando-a no “Southern Messenger” sob o manto da ficção. Para tanto, não tendo eu nenhuma objeção, consenti, combinando apenas que o meu nome real devesse ser mantido. Dois números desta pretensa ficção apareceram, em função disto, no “Messenger” de janeiro e de fevereiro (1837), e, a fim de que viesse a positivamente ser considerada com certeza como ficção, o nome do senhor Poe foi aposto aos artigos no índice com o conteúdo da revista.

 A maneira pela qual este artifício foi recebido me levou no final das contas a dedicar-me a uma compilação integral e à publicação das aventuras em questão; pois descobri que, ainda que um ar de fabulação tenha sido tão engenhosamente criado em torno daquela parte de minha narrativa que apareceu no “Messenger” (sem alterar ou distorcer um único fato), o público ainda não estava de todo disposto a recebê-la como fantasiosa, e várias cartas foram enviadas para o endereço do senhor P., nitidamente manifestando convicção contrária. Eu concluí por conseguinte que os fatos da minha narrativa provariam ser de tal feitio a ponto de carregarem provas suficientes de sua autenticidade, e que eu tinha, consequentemente, pouco a temer no que diz respeito à incredulidade popular.
Concluída a presente exposição, será visto de imediato como muito do que se segue eu afirmo resultar de minha própria escrita; e deve também ficar entendido que nenhum fato aparece deturpado nas poucas páginas iniciais que foram escritas pelo senhor Poe. Até mesmo para aqueles leitores que ainda não viram o “Messenger”, mostra-se desnecessário assinalar onde sua parte termina e onde a minha inicia-se; a diferença no que se refere ao estilo será facilmente percebida.
A. G. PYM. Nova York, julho de 1838

Texto completo em inglês (clique aqui)

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Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
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Uma resposta para Podem Me Chamar de Arthur Gordon Pym

  1. Ana Maria Pedrosa disse:

    Excelente tradução.Gostei.Quero ler mais.

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