“Crítica e Valor” — Flora, Silviano, Nelson e Oscar Wilde

IMG_0189-001

Fui reencontrar o passado relendo o texto que escrevi para o encontro “Crítica e Valor”, simpósio em homenagem a Silviano Santiago, que aconteceu em 2006 e cujas comunicações estão sendo agora editadas em livro. Como já disse em postagem anterior, entrei um pouco de gaito nesse evento que reuniu a nata da crítica literária brasileira e estrangeira. Estava na ocasião fechando minha tese de doutoramento. Tinha a maior vontade de ter Flora Süssekind, professora da minha graduação e autora de quem sou fã (acompanho sua trajetória desde que ela me dava aula e escrevia resenhas de teatro infantil para o JB), em minha banca de defesa, mas, diante da impossibilidade de se fazer presente por excesso de trabalho, ela acabou me convidando para apresentar uma comunicação e nos revermos no seminário que estava organizando em homenagem a Silviano.

Foi um desafio. Especialmente porque o homenageado, de quem sou também grande admirador e cuja escrita ficcional e não-ficcional é de um refinamento sem par entre os críticos de todas as origens, nunca escreveu uma única linha sobre a obra de Nelson Rodrigues, assunto de minha tese e que me ocupava completamente.  Mas no fim das contas não foi difícil vislumbrar a possibilidade de um encontro entre Nelson e o tema do seminário, tão  querido a Silviano. O caminho até lá veio com um dos geniais textos de Oscar Wilde pelo qual andava fascinado na época: “The Critic as Artist”.  Voltei também a ele agora. É uma dessas coisas maravilhosas cujo prazer só a boa literatura consegue nos proporcionar. Nele, Ernest, personagem homônimo ao da peça “The Importance of Being Ernest”, conversa com seu amigo Gilbert sobre o real valor e utilidade da crítica. Um, o intelectual Ernest, atacando os críticos, o outro, o músico Gilbert, a defendê-los. Nelson Rodrigues ficaria do lado de Ernest sem dúvida e foi uma pena que pressionado pelo dead-line do seminário não tenha escolhido a epígrafe mais precisa no texto de Wilde. Trata-se daquela em que Ernest afirma: “Por que aqueles que não podem criar se incumbem de avaliar o valor de um trabalho criativo? O que eles podem saber sobre isso? Se o trabalho de alguém é fácil de ser entendido, uma explicação é desnecessária.” Nelson assinaria embaixo. No meu ensaio mostro como Nelson Rodrigues condicionou de certa maneira a visão de muitos críticos que escreveram sobre sua obra (Sábato Magaldi, Hélio Pellegrino, e tantos outros). Críticos estes que tentaram ir contra o pensamento de Ernest e convencer seus leitores de que tinham algo mais a dizer do que tudo aquilo que a própria obra artística de Nelson comunicava.

Por causa do ensandecido trabalho que deve ser a edição de uma obra volumosa como o livro do seminário “Crítica e Valor”, que conta com 710 páginas. Um trecho de meu texto foi omitido durante a edição. Segue abaixo a errata para que a página 278 faça total sentido:

“Se em uma vertente de matiz historiográfico que busca a delimitação de autor e obra podemos, portanto, vislumbrar a insinuação de um dado valorativo, no que se refere à crítica, esse aspecto se faz presente de forma mais evidente. Mesmo porque é papel desta assinalar o grau de permanência de uma obra. Os escritos de Nelson Rodrigues mostram um autor consagrado, uma unanimidade surpreendente e em desacordo com quem sempre repelia o pensamento único. Um dos poucos pontos da recepção crítica de seus escritos que tem ensejado certa controvérsia, diz respeito à discussão sobre se seus textos assinalariam ou não a manifestação de uma autor moralista.

O assunto não poderia escapar ao crítico maior da obra teatral rodrigueana, Sábato Magaldi. Magaldi toca nesse tópico em suas apresentações das peças de Nelson que podem ser apreciadas como um todo no livro Teatro da obsessão: Nelson Rodrigues. Em seu texto, afirma o membro da Acadêmia Brasileira de Letras:

A dualidade bem-mal sustenta os comportamentos, sem primário…” (segue citação de Magaldi em destaque)

 DSC_0636-001

Sobre Marcos Pedrosa de Souza

Marcos Pedrosa de Souza é professor da Fundação Cecierj. Tem formação em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em letras pela Universidade Santa Úrsula. É mestre e doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador de O Globo e de outros jornais e revistas. Foi professor do IBEU, da Cultura Inglesa e da Universidade Estácio de Sá.
Esse post foi publicado em Flora Süssekind. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário